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Crônica: A amnésia dos favores


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A ingratidão é uma arte disfarçada de esquecimento. Não há silêncio mais alto do que o daquele que, depois de acolhido, vira o rosto para o lado, como se nunca tivesse precisado de ajuda. É curioso como a memória das pessoas parece seletiva: lembra-se do menor deslize, mas apaga, com precisão cirúrgica, o bem que recebeu.


Vivemos tempos em que agradecer virou raridade, como se admitir uma dívida de gratidão fosse um sinal de fraqueza. Gestos simples, como um “obrigado”, “você é importante” estão desaparecendo, soterrados pela pressa de quem segue a vida achando que tudo é obrigação do outro.


Amizades, amores, até os laços de família, tudo parece descartável diante da comodidade de ignorar o que já foi feito. A ingratidão se alimenta da bondade alheia como quem devora uma refeição e deixa os pratos sujos para trás. Para o ingrato, o silêncio é mais confortável.


Talvez a ingratidão seja o verdadeiro parasita social, onde o esforço do outro é um detalhe irrelevante, algo que não merece espaço em uma consciência. Uma mão estendida se transforma em uma escada para quem precisa, mas, ao alcançar o topo, a escada é esquecida, como se o chão abaixo nunca tivesse existido.


E assim seguimos, colecionando mágoas e tentando, em vão, nos blindar contra a frieza do mundo. Porque, no fundo, embora a bondade verdadeira não espere aplausos e exista por si só, a ingratidão é como uma chuva fina que, com o tempo, encharca tudo.


O mundo não precisa de corações ingratos. Precisa de pessoas que saibam olhar para trás e dizer: “Eu lembro, eu sou grata.”


Imagem de Pheladi Shai por Pixabay



 
 
 

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